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Foto do escritorDenise Macedo

Mangueira x Augusto Comte


O carnaval foi mesmo à sombra de Bolsonaro, mas a sombra estava sobre ele, e não sobre o povo. A escola Vila Isabel exaltou a família imperial. Em compensação, a Tuiuti reverenciou Lula, o salvador da pátria, e a Mangueira criticou a história oficial do Brasil: diminuiu o papel de Duque de Caixas, de D. Pedro I, da Princesa Isabel e de Pedro Álvares Cabral. Louvou negros, índios, pobres, Marielle Franco e outros heróis nacionais. O troféu Mico Especial foi para os/as coxinhas reaças e desinformados/as e para as laranjas duvidosas. Nas ruas do Recife, o presidente aliado aos esteites e sua poliana perita em libras foram recebidos com ovos e pedras de gelo. Apropriado.


O ponto alto foi a bandeira antipositivista da Mangueira. Lembrei-me de uma atividade que corrigi para uma professora de 4º. Ano. Seu objetivo era “despertar, nos alunos, o amor e o respeito pela pátria.” Assustada, analisei os princípios desse objetivo educacional, profundamente enraizados nas mentes, nas formações e nos livros didáticos de gerações e gerações que passaram pela educação formal brasileira. A intenção da professora, repleta de sentimentos e de percepções afetivas positivas diante do conceito pátria, escondia uma perigosa interdiscursividade com o discurso político positivista Ordem e Progresso. Essa relação entre discursos educacionais e políticos é arriscada.


No atual quadro mundial de incertezas, com a diluição das fronteiras entre países por invasões hegemônicas históricas, agressões ao meio ambiente e atuação do capitalismo que lança significativa parcela da população em condições de desigualdade social e de extrema pobreza interessa, à elite, reforçar a influência positivista no Brasil conformada na bandeira nacional: o amor por princípio, a ordem por base, o progresso por meta. Para reforçar toda essa imposição, o atual presidente ultraneoliberal traz também a ajudinha de deus acima de todos, porque ninguém é de ferro. Para os assaltos que pretende fazer, deve mesmo pedir toda a ajuda necessária, inclusive, a divina. Vamos lembrar que as origens do positivismo são cristãs. Na obra de 1852, intitulada Catecismo Pozitivista ou Sumária Expozição da Religião Universal, Augusto Comte se refere à expressão ordem e progresso como forma de viver para outrem, subordinando o indivíduo à pátria, amada.


Como, então, resolver o problema que a professora criava sem saber? Subvertendo o positivismo da bandeira do Brasil sob o viés da identidade nacional, que se estabelece pela valorização do idioma, da cultura, da história brasileira. Subvertendo o amor cristão pelo filosófico, como princípio da relação entre os homens, e não como amor-senso-comum tomado como condição sine qua non para se ser reconhecido como cidadão.


Como fazer essa subversão? Substituindo o "amor e o respeito pela pátria" por "patriotismo". O verbete "amor" tem uma conotação de acriticidade: "o amor é cego". Tem várias acepções: platônico, romântico, pragmático, erótico, altruísta, religioso. "Amor à pátria" induz-nos a pensar em certa alienação. Nietzsche, na obra Um olhar sobre o Estado, já falou que a subordinação é muito valorizada no Estado militar e burocrático: “mesmo nos Estados militares não basta a coerção física para produzi-la [a subordinação], mas se requer a hereditária adoração do principesco como algo sobre-humano”. Patriotismo, como sentimento de profunda compreensão e consequente observância dos deveres e dos direitos cívicos é, ao contrário, racional, é crítico; é sentimento de solidariedade que, ao lado das leis, sustenta uma democracia, na perspectiva de que, quando as pessoas deixam de cumprir as leis, elas enfraquecem o Estado e, consequente, sua própria liberdade. Esse é o lado social que as escolas, apesar das ideias mirabolantes do ministro da educação de se colocar crianças repetindo o excludente slogan da campanha bolsonarista, devem provocar em seus alunos, e não o lado dogmático.


Como disse a professora Ester Solano, o Brasil é e sempre será maior do que Bolsonaro e maior do que qualquer fascista. Parte do carnaval 2019 parece confirmar essa esperança.

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