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UM POETA PARA SER DESCOBERTO

Sobre Cornelius Publius Calimacus

(Roma (?)12 AC – Campânia 70 DC)



arte digital por Sous Zèro


DA NECESSIDADE IMPERIOSA

DE ACREDITARMOS

EM ALGO TRANSCENDENTE

ACABAMOS LOUCOS HOMICIDAS

Cornelius Publius Calimacus


Cornelius Publius Calimacus viveu seus dias em meio a turbulências letais. Com pouco mais de 25 anos quando Augusto morreu, Cornelius era conhecido tanto nos meios palacianos, em meio aos execráveis e melífluos eunucos e ambiciosos e medíocres comandantes da Guarda Pretoriana, quanto na sua ronda pelos lupanares de Roma, Óstia e Pompéia, cantando os seios derruídos das prostitutas. Sobreviveu a todos esses infortúnios, vindo a morrer de gota com a idade de 81 anos, em uma villa na Campânia. Deixou alguns poemas dispersos, em número de 50, que por um enorme acaso foram descobertos há poucos anos em uma escondida e empoeirada estante de uma biblioteca pública na Europa Central. O autor da façanha foi um diligente faxineiro, cujo nome desconheço. O códice, provavelmente uma cópia do século II de nossa era, estava legível e em bom estado. O insigne professor Thomas Laurel, da Universidade de Oxford, foi avisado da espantosa descoberta e encarregou-se da ecdótica do Codex Cornelianus, como ficou conhecido o texto. Uma valorosa editora da Inglaterra, a Casperhouse Press, publicou em um gordo volume in octavo os poemas, que se intitularam - segundo indicações remotas do organizador e prefaciador Thomas Laurel, Lecturer do All Souls College de Oxford - Merdae. A seguir, por uma gentil concessão dos referidos professor e editora, dois poemas de Cornelius Publius Calimacus.


34

Anda, chora Apolo, que teus dentes já não mordem

Os pomos de ouro de Afrodite;

Tampouco satisfazes as náiades

Do Pireu. Morto estás, a dez braças do cais.

Vinte abaixo, em meio aos destroços

Do último vagalhão. Bem bom!

Não mais credores, não mais mulheres,

Não mais nada. Só o dente - último - cariado,

Balançando na maré.


POEMA 34 - Anda, chora Apolo, que teus dentes já não mordem in Cornelius Publius Calimacus. MERDAE. Poemas. Organização, tradução do original latino e estudo introdutório de Thomas Laurel. Corby, England: Casperhouse Press, 1995, 756 pp.

Em seu percuciente e alentado estudo introdutório de 600 páginas (mais 100 de notas e bibliografia), Thomas Laurel coloca Cornelius Publios Calimacus como um dos legítimos precursores de William Shakespeare e Thomas Stears Eliot. É sabido que Shakespeare possui um delicadamente irônico madrigal na peça A TEMPESTADE que remete o leitor conhecedor de Cornelius ao poema acima. Igualmente Eliot, na Quinta Parte de A TERRA INÚTIL, estabelece um diálogo atemporal com as desventuras de nosso Apolo endividado. A seguir, os poemas de Shakespeare e Eliot, respectivamente. O leitor que faça a sugerida comparação.


Uma Canção de Ariel

(A tempestade, cena ii, ato I)

Teu pai repousa em paz a trinta pés:

De seus ossos coral se fez:

Aquelas pérolas que vês

Foram seus olhos uma vez;

Nada que é dele se perdeu,

Metamorfose o reverteu

Em algo estranho e nobre.

Sereias tangem o seu dobre:

Dlin-dlão!

Silêncio! O sino agora,

Dlin-Dlão, ora.


Tradução de Augusto de Campos



MORTE PELA ÁGUA

(The Waste Land, V)

Flebas, o Fenício, morto há quinze dias

Esqueceu o grito das gaivotas

E o marulho da maresia

E os lucros e as perdas.

Enquanto subia e descia

Passava pelos palcos de sua juventude

Entrando no turbilhão.

Ó tu

Que olhas o vento e procuras o barlavento

Lembra de Flebas

Que um dia foi alto e belo rapagão


(In)tradução de Gustavo Lisboa (com os devidos perdões a T.S. Eliot)

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