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Deus e o capitalismo de desastre nas eleições


O Sanatório Geral, Newton Scheufler

O cotidiano pré-eleições, no nível ordinário, do cidadão comum, transita entre o grotesco, o cinismo e a profunda ignorância, uma ignorância construída sistematicamente, por gerações, pelas mãos dos aparelhos e dos aparatos do Estado, historicamente submetido aos ditames do capital internacional. Para falar de apenas um deles, assusta a chamada mídia oficial, tradicionalmente ladeada e ladeando instâncias de poder. Jornalistas transformam pressupostos em afirmações: “Mas o STF condenou o ex-presidente!” Onde está o pressuposto? No próprio tribunal como acima de qualquer suspeita. Fingem se esquecer do “com o Supremo, com tudo” e de instrumentos legais que existem para rever decisões dessa mesma instância. Agora, temos O juiz revendo O processo, mas sem mudar o que chama de fatos, embora indeterminados. Eles mantêm a prisão, política. Afora os ataques a qualquer oposição, o resto é silêncio midiático.


Nesse silenciamento seletivo, esse jornalismo de guerra, em um dos maiores monopólios midiáticos na América Latina, lança mão de debates públicos para atacar governos do continente, naquilo que lhes parece uma ditadura vermelha – daí a cômica retomada da URSAL –, mas omite como a suposta, e nunca alcançada, democracia brasileira mata milhões, cotidianamente, número aguçado pelo próprio golpe ultraneoliberal. E candidatos à direita vão se vestindo de heróis nacionais, apoiados pelo pensamento patriarcal, colonial e mercantil.


Esse apagamento histórico regular explica a ausência da palavra golpe em espaços e em momentos significativos desse cotidiano ordinário, agora, em vários sentidos: universidades, escolas, mesas de boteco, corredores em geral. O golpe sobre um continuum progressista não tem peso algum na capacidade de decisão sempre incipiente e insipiente de muitos eleitores, majoritariamente esvaziados de senso coletivo em nome de um individualismo egocêntrico, como já denunciou o professor José Paulo Netto no evento Neoliberalismo, individualismo, competição e barbárie. Explica também a alta adesão da maioria ao pensamento dos mercados centrais de que não existe a sociedade, mas, e apenas, o indivíduo.


Os ataques brutais pós-golpe já estão materializados nesse cotidiano ordinário, sobretudo, nas relações trabalhistas, na educação e na saúde. É quando o golpe se torna ditadura explícita com apoio popular. O que poderia ser mais paradoxal? Essa é uma pergunta. A outra: como chegamos aqui? De vários modos. Um deles é o capitalismo de desastre, ou doutrina do choque: gera-se uma crise, acha-se um culpado na oposição, desestabilizam-se antigas formas de representação e de ação sobre a realidade. Em seguida, esses mesmos grupos hegemônicos agem rápida e estrategicamente para assegurar mudanças que, na base, aprofundam regimes de acumulação e de desigualdades, mas soam como a solução de todos os problemas. Finalmente, estratégias de comoção e de mobilização vêm como catalisadoras desse processo, gerando solidariedade entre alguns e conflitos acirrados com outros, a oposição. Daí a ampla divulgação da facada no fascismo. E a multidão segue atrás dos salvadores messiânicos fabricados, agora, disputando espaço com deus.


Mas, se deus existisse mesmo, estaria, a esta altura, confirmando seu erro, estarrecido, ao menos com o que acontece aqui: uma colônia que insiste em bater continência para bandeiras estrangeiras e que agora flerta com discursos que, entre outras sandices, nega a História da escravidão. A negativa se torna ainda mais estarrecedora diante das declarações do africano Pierre Sané – ex-secretário geral da Anistia Internacional – sobre relação entre irmãos – Brasil e o continente africano – que compartilharam a subjugação e a violência desse passado histórico de sequestro de forças vivas.


A negação desse passado, já mal contado pelos livros didáticos oficiais de História, é uma ameaça maior do que pode parecer porque não é um fato isolado, mas parte de um projeto de apagamento das raízes de toda uma nação. Mas fascistas e seus adoradores profundamente dogmatizados não entram nessa discussão porque os países imperialistas, diante de quem se ajoelham, também desprezaram passados aonde chegaram. Impuseram-se em suas práticas hegemônicas genocidas sobre terras hoje arrasadas e sobre consciências mais esvaziadas.


As eleições pós-golpe estão aí. A corrida à presidência desta periferia capitalista, já espetacularizada pela mídia como uma novela bastante ruim, promete novos capítulos e exemplos de esquartejamento do pensamento, da justiça, da (boa) imprensa, da ideia da democracia.

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