Todos nos indignamos, e com razão, com o teto em educação impetrado pelo golpe de 2016. Agora, chocamo-nos com as notícias dos cortes na pesquisa para o ano que vem. Segundo a própria Capes, se o orçamento de 2019 se mantiver abaixo daquele de 2018, serão 93 mil discentes e pesquisadores prejudicados só na pós-graduação. Abaixo-assinados, notas de repúdio, manchetes indignadas pulularam, mas, pergunto: qual é o estranhamento?
Se pensarmos na relação histórica entre universidade e Estado, veremos que esse grave cenário não deveria ser surpreendente. A criação de uma universidade no Brasil foi negada no século XVI porque ameaçava a relação de dependência cultural e política da colônia em relação à Metrópole. Hoje, se o Estado foi assaltado por uma quadrilha neoliberal a serviço dos históricos jogos dos mercados centrais, nada disso deveria nos surpreender.
Em 1969, Darcy Ribeiro publicou Universidade Necessária, gestado no Uruguai, onde estava exilado após a interrupção da UnB por outro golpe, o militar: "Sempre que se rompe a legalidade democrática, os corpos governamentais entram em choque com a universidade", de modo reiterativo, em um ciclo que impede as universidades e, logo, o país de crescerem. Universidades nascem nos jogos de tensões do mundo desigual em que vivemos, e o conhecimento que produzem não é neutro. Ele vai para onde o dinheiro está. Por isso, a célebre frase darciniana: "A crise da educação no Brasil não é uma crise, é um projeto".
Agora, atravessamos o golpe impetrado por uma classe cuja "característica predominante é a falta de compromisso com o progresso e a autonomia nacional, que eles sacrificam sem o menor escrúpulo ao único valor a que efetivamente rendem culto: a preservação da velha ordem institucional e, principalmente, de seus sustentáculos econômicos". Agentes internos de interesses externos. O atraso da América Latina é lucrativo para os (re)colonizadores, que investem em ciência. Praticam a Economia Baseada no Conhecimento (EBC), inclusive, investindo naquele que produzimos a duras penas e que vendemos tão barato no mercado de patentes.
Felizmente, tensões só existem porque há pensamentos contrários àqueles das classes dominantes: universitários/as e outros atores sociais que puxam a corda para o lado da inconformidade com nosso estado humilhante como nação. A luta, porém, ainda é desigual. As forças são assimétricas, e a intenção dos podres poderes é garantir nosso papel de proletariado barato nos jogos globais de um sistema econômico mundial perverso, mantendo-nos na periferia capitalista.
Certamente, o corte vai agudizar ou até enterrar a pesquisa no país, mas nossa surpresa deveria estar em nossa inação e em nossa ingenuidade, inclusive, a de pensar que os mercados centrais "deixariam um campo de importância tão decisiva, como o da atividade científica e o da vida universitária, entregue ao acaso das ações desconexas e improvisadas de diversos organismos públicos e privados".
Para esse Darcy de 1969, fazíamos menos do que poderíamos fazer se estivéssemos comprometidos em uma luta realmente revolucionária. Ainda fazemos menos. É preciso alcançar a maturidade do debate, inclusive, o
científico, nesse cenário de esforços estrangeiros de permanente colonização econômica, política e cultural da América Latina.
Outra leitura urgente.
Comments